13/01/2010 - Pargendler busca solução de conflitos com reflexão sobre a técnica de julgar.

Pargendler busca solução de conflitos com reflexão sobre a técnica de julgar.

 

O juiz deve atentar para os resultados práticos de suas decisões, que podem orientá-lo para uma melhor compreensão do direito positivo. É que o ordenamento jurídico só cumpre sua função se o modo como regula as relações sociais é bem sucedido. Assim manifesta-se o ministro Ari Pargendler, vice-presidente do STJ, em voto no qual é levantada questão processual sobre o cabimento de ação rescisória em litígio envolvendo a Fazenda Nacional e uma empresa.

Seja em assuntos como esse, de caráter essencialmente processual, ou em outros de repercussão imediata na sociedade, como a impossibilidade de conversão de pena para crime de tráfico de drogas ou a garantia de manutenção de serviço público em município inadimplente, o ministro foi condutor de decisões que marcaram o ano de 2009 no STJ, ao expor teses que enriqueceram a contínua construção da jurisprudência no STJ.

No recurso da Fazenda Nacional, o voto do ministro, dando provimento para o ajuizamento de ação rescisória, é fundamentado em doutrina sobre técnica de julgamento inspirada na observação de Oliver Wendell Holmes, juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos nas primeiras décadas do século passado, de que o direito não se esgota na lógica, é também e fundamentalmente experiência.

Pargendler ilustra a constatação com fatos ocorridos logo após a promulgação da Constituição de 1988, quando os tribunais regionais federais passaram a divergir sobre a auto-aplicabilidade dos vários benefícios previdenciários nele previstos. Num primeiro momento, houve o deferimento de benefícios previdenciários, posteriormente considerados indevidos pelo Supremo Tribunal Federal, e no indeferimento de outros que eram devidos – “multiplicando-se as injustiças e, mais do que isso, o tratamento desigual, à vezes entre vizinhos”.

Os reflexos de tal situação, observa o ministro, seriam os mais graves, se a ação rescisória, que possibilita a desconstituição da sentença, fosse dificultada por interpretações restritivas à jurisprudência do STF: “Uma empresa obrigada a pagar tributo indevido seria uma empresa destinada a desaparecer, porque não suportaria a concorrência. Outra empresa exonerada de pagar tributo devido prejudicaria inapelavelmente as demais – distorção que se projetaria macroeconomicamente, de dois modos: o Estado perderia receita e, também, a capacidade de manter o mercado sob leis uniformes, desorganizando-o”.

Conversão de pena

Em novembro de 2009, a Corte Especial do STJ, seguindo voto-vista de Pargendler, rejeitou argüição de inconstitucionalidade de partes da Lei Antidrogas (nº 11.343/2006) que tornam inafiançáveis e insuscetíveis de indulto ou liberdade provisória as penas para crime de tráfico de entorpecentes. O caso em exame era de um sul-africano condenado a mais de três anos de reclusão, em regime inicial fechado, por posse de 3,5 quilos de cocaína.

O ministro sustentou que a adoção da pena privativa de liberdade para punir o crime de tráfico de entorpecentes não representa violação aos princípios constitucionais da dignidade humana e da individualização da pena, invocadas para a declaração de inconstitucionalidade. Isso porque a privação da liberdade pode parecer inconciliável com a dignidade humana, mas os princípios constitucionais devem ser ponderados, e o da defesa social, representado pela pena, justifica a privação temporária da liberdade para garantir a convivência social.

Pargendler ressaltou que a inconversibilidade das penas decorrentes de condenação por tráfico de drogas tem por si a vontade do constituinte que, em dois momentos, destacou a importância da repressão a esse crime: quando estabeleceu que a lei o consideraria inafiançável e insuscetível de graça ou anistia e quando autorizou a extradição do brasileiro naturalizado comprovadamente envolvido no tráfico de dogas.

Sentença estrangeira

Em outra decisão, o vice-presidente do STJ assegurou a aplicação da Convenção de Nova York referente à prestação de alimentos no estrangeiro. A Procuradoria-Geral da República formulou pedido de homologação de sentença estrangeira, proferida por tribunal de Meaux, França, que condenou um cidadão brasileiro ao pagamento de pensão alimentícia mensal em favor de sua filha menor, no valor de 150 euros.

Foram, entretanto, argüidas duas objeções à homologação: a documentação juntada não foi traduzida por tradutor juramentado no Brasil e os documentos não haviam sido autenticados.

A Resolução nº 9, do STJ exige que sentença estrangeira esteja autenticada pelo cônsul brasileiro e traduzida por tradutor juramentado. Uma e outra exigência, todavia, cedem, na forma da jurisprudência, quando o pedido de homologação tiver sido encaminhado pela via diplomática, como ocorreu nesse caso, disse Pargendler. De acordo com a PGR, a sentença, quando executada ao abrigo da Convenção de Nova York, contém peculiaridades que lhe confere tratamento especial em relação a determinadas formalidades.

Iluminação pública

Coube também ao vice-presidente do STJ decidir sobre a suspensão de serviço público por inadimplência do consumidor e em que situações isso pode ocorrer. No caso, a companhia Energética do Ceará (Coelce) pedia reforma de decisão que lhe havia assegurado o direito de suspender o fornecimento de energia da cidade de Senador Pompeu, com exceção dos postos de saúde, hospitais, escolas e iluminação pública das ruas, considerados essenciais à população. As contas atrasadas do município alcançavam o valor de R$ 741 mil.

Para a Colce, deixar as ruas da cidade sem iluminação pública não acarretaria a paralisação de qualquer serviço público essencial a ser prestado à população, não devendo figurar entre as exceções. Reafirmando decisão anterior do presidente do STJ, ministro Cesar Rocha, Pargendler enfatizou ser inviável a suspensão da iluminação pública, pois acarretaria prejuízo à coletividade em relação à segurança pública.

A jurisprudência majoritária do STJ admite o corte de energia em caso de inadimplência do consumidor, ainda que este seja pessoa jurídica de direito público e preste serviço essencial, com ressalvas apenas para os serviços cuja interrupção cause prejuízos graves à população. Dessa forma, hospitais e escolas públicas e iluminação pública estão preservados.

Licitação viciada

Dentre as decisões destacadas pelo vice-presidente do STJ não faltou matéria administrativa. O descumprimento de um dos itens do edital de licitação levou à suspensão de um contrato firmado pelo governo do Ceará com empresa de engenharia encarregada de instalação de cabo ótico. Esta deveria comprovar que havia executado, anteriormente, serviços de instalação de cabos óticos em linhas de transmissão com todas as fases energizadas. O atestado, no juízo da justiça cearense, não atendia ao requisito do edital.

O governo do Ceará sustentou que a empresa vencedora havia executado serviço similar e de complexidade tecnológica e operacional superior ao exigido no edital, além de ter apresentado preço menor ao do segundo colocado, uma diferença de mais de R$ 7 milhões. Alegou também que o atraso na execução do cinturão digital acarretaria sanções penais do Banco Mundial, financiador do projeto, e comprometimento das metas subseqüentes, comprometendo o total de financiamento de US$ 240 milhões.

A Corte Especial, adotando o voto de Pargendler, decidiu que, “se flagrantemente viciado o processo de licitação, o Judiciário não pode autorizar-lhe a execução, ainda que a sustação da obra pública possa acarretar lesão a interesses da coletividade”. “Não há como evitar esse dano potencial sem que, vencido na demanda, o Estado tenha de indenizar o licitante prejudicado”, estabeleceu a decisão.

Fonte: STJ
Av. Presidente Vargas 633 Sala 1.118 - Centro - Rio de Janeiro - RJ - [21] 3185-4487 / 7869-6426