05/01/2010 - 2009: Retrospectiva de problemas e conquistas para os consumidores.

 

2009: Retrospectiva de problemas e conquistas para os consumidores.
por Mariana Ferraz - Espaço do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) em Última Instância

O ano de 2009 encerra-se, e o momento nos estimula a refletirmos sobre as questões que afetaram o consumidor nesse período. Partimos daquele que era o grande mote de preocupação dos brasileiros no início do ano: o impacto da crise econômica mundial em seus cotidianos.

Logo no primeiro trimestre o Brasil entra oficialmente em recessão, consumidores gastam menos, indústria e comércio vendem menos e o índice de demissões aumenta no país. Os prazos para financiamento encurtaram e os juros passaram a níveis elevados.

Diante disso, o governo federal toma medidas de incentivo ao consumo através da redução ou isenção de impostos, como o IPI para carros e eletrodomésticos. O estímulo ao consumo no entanto, prescindia de um alerta sobre o endividamento e de ações que combatessem a oferta do crédito irresponsável e obscuro.

A crise econômica não só afetou os consumidores no sentido descrito acima, mas também serviu como oportuno argumento por parte dos bancos para questionar as ações de perdas nos planos econômicos. Em março de 2009, a Consif (Cfederação Nacional do Sistema Financeiro) propôs ao STF (Supremo Tribunal Federal) uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF 165, objetivando liminar para suspensão imediata e por tempo indeterminado —até julgamento do mérito da ADPF— de todas as decisões e processos que reivindicam perdas ocasionados pelos bancos nos rendimentos das cadernetas de poupança com o advento dos planos econômicos Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e Collor II.

Utilizou-se do contexto de temor pela crise financeira internacional para alegar-se que os prejuízos decorrentes das ações judiciais causariam grave risco de efeito sistêmico capaz de atingir o sistema financeiro e o próprio Tesouro Nacional. Os bancos também defendem a constitucionalidade dos planos econômico, argumentando não haver direito adquirido em face de novo regime monetário. Note-se que a constitucionalidade ou o mérito dos planos econômicos não é discutido pelos defensores dos poupadores, discute-se sim o uso indevido que as instituições financeiras fizeram do plano econômico em seu próprio benefício. Em novembro de 2009, o Idec apresentou dois estudos sobre o assunto, apontando que os bancos têm condições de pagar os poupadores lesados pelos planos econômicos, e que a jurisprudência no Supremo Tribunal Federal sobre as ações que reivindicam a recuperação das perdas é favorável ao consumidor. O estudo demonstrou que o STF já criou uma jurisprudência sólida, definitiva e favorável à reivindicação dos poupadores e que não há, portanto, controvérsia judicial que justifique a ADPF 165.

Saindo do setor financeiro e adentrando nas telecomunicações, outra questão que atingiu fortemente o cotidiano do consumidor diz respeito à portabilidade numérica, que foi concluída em março de 2009. A Resolução 460/07 da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) regulamentou a portabilidade, que começou a ser implantada em algumas regiões do país em setembro de 2008, permitindo a mudança de operadora, de plano ou de endereço sem precisar mudar o número de telefone.

O ponto central dessa previsão era garantir ao consumidor a liberdade de escolha, e estimular com isso a concorrência de modo que as operadoras invistam na melhoria dos serviços e do atendimento. No entanto, meses após a consolidação da portabilidade, o desrespeito aos direitos do consumidor ainda é verificado quando, por exemplo, as operadoras negam-se a desbloquear gratuitamente os aparelhos celulares devido a celebração de planos de fidelização, não permitindo que o consumidor permaneça com o seu plano e eventualmente possa aproveitar de serviços de outras operadoras na mesma estação móvel.

A Confecom (I Conferência Nacional de Comunicação), realizada em dezembro, também consolidou propostas importantes no setor de telecomunicações, cujos temas alimentaram fortes debates no ano de 2009. A exploração da banda larga em regime público e o reconhecimento do serviço como um direito fundamental do cidadão, foram propostas acatadas por unanimidade na Conferência. Essas propostas são consideradas fundamentais para viabilizar a universalização do acesso à Internet.

Aprovou-se também a proibição à publicidade destinada ao público infantil; a garantia da privacidade dos usuários de internet e neutralidade das redes; e a reforma da lei de direitos autorais. Note-se que, tais propostas consolidadas na Confecom com a participação da sociedade civil foram encaminhadas ao Congresso e servirão de subsídio para mudança na legislação em vigor. Espera-se que em 2010 as proposições sejam colocadas em prática pelo Congresso Nacional e pelo Presidente da República.

No setor de energia elétrica, destaca-se a denúncia do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre o erro no cálculo do reajuste tarifário. O Idec manifestou-se perante a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e o Ministério de Minas e Energia, exigindo providências para ressarcir os consumidores pela cobrança indevida de R$ 1 bilhão a mais por ano nas contas de luz, desde 2002.

Destaca-se também nesse setor, o blecaute em novembro que acometeu 18 estados brasileiros, situação em que muitos consumidores sofreram danos materiais e não materiais em conseqüência da interrupção do fornecimento de energia elétrica. Nesse último caso, salientamos a carência de regulação por parte da Aneel sobre a responsabilização das concessionárias por danos que ultrapassem a esfera dos danos materiais nos aparelhos elétricos.

Não poderíamos deixar de citar o setor da saúde suplementar, um dos mais reclamados pelos consumidores. O imbróglio formado em torno da portabilidade dos usuários da Avimed é um caso a ser destacado como ilustrativo de uma seqüência de afrontas aos direitos do consumidor. Em março de 2009, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) decretou a alienação compulsória da carteira de beneficiários da operadora Avimed reconhecendo a impossibilidade dessa operadora se recuperar dos graves problemas assistenciais e econômico-financeiros.

No entanto, os consumidores foram envolvidos em uma sequência desastrosa de decisões e permaneceram desamparados, sem terem onde realizar um exame ou serem submetidos à internação; sem saberem para quem pagar sua mensalidade; e, sem a proteção do órgão público competente, a ANS. Foi necessária intervenção judicial que desse fim à seqüência de abusos cometidos. O Idec, através de ação civil pública, solicitou ao Poder Judiciário que fosse reconhecida a responsabilidade da Avimed e da ANS pelos danos sofridos com a falta de atendimento, e que a ANS garantisse aos usuários a possibilidade de mudar de empresa sem sofrer novas carências. Em julho, por decisão liminar, a justiça determinou que a ANS elaborasse norma possibilitando ao usuário contratar plano de saúde de sua escolha e sem imposição de carências. Diante da ineficiência da regulação da agência competente para tanto, foi necessária a atuação da justiça para que se fizessem respeitar os direitos do consumidor.

Impossível tratarmos de todos os problemas e conquistas para o consumidor em 2009, pois muitos foram os temas que mobilizaram debate e atuação da sociedade civil em prol da construção de um ambiente mais justo. Encerramos essa reflexão, justamente enfatizando que os problemas sempre existirão num maior ou menor grau, mas as conquistas, estas dependerão sempre de atores capazes de intervir e defender os interessas da sociedade. Nesse sentimos, falamos da atuação individual, seja de quem apóia uma organização da sociedade civil que trabalha pela consolidação de direitos, seja pela ação pessoal de quem reivindica, se informa e cumpre com sua parte na construção de uma sociedade mais justa. Espera-se que o ano de 2010 nos reserve mais relatos de conquistas devido ao maior comprometimento dos cidadãos para a construção de uma realidade harmônica com as previsões legais de proteção e defesa dos direitos do consumidor.

Fonte: Endividado.com.b
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